Guilherme Delgado para o Correio da Cidadania
Mais uma vez a conjuntura econômica revela pressão inflacionária oriunda dos mercados agrícolas, com ênfase nas carnes, cereais, grãos e açúcar, setores em que o Brasil ocupa hoje posição protagônica no comércio internacional.
Fora esta uma situação puramente conjuntural, determinada por fatores climáticos, que normalmente tendem a gerar flutuações não planejadas nas safras agrícolas, o assunto mereceria apenas notas de rodapé, ou notícias no espaço dos fenômenos da natureza.
Mas a questão nos seus aspectos causais não é tão trivial assim, repercute diretamente no custo de vida da população mais pobre e provavelmente será remediada pela política monetária, de uma maneira convencional e inadequada: com elevação da taxa interna de juros, a Selic
Observe-se que a conjuntura altista dos alimentos em 2010 (INPC cresce 6,47% e alimentos 10,42%) não é fato fortuito. Ocorreu também nos exercícios de 2007/2008 e 2002/2003, cada qual com explicações conjunturais específicas, mais adiante comentadas, revertidas nas safras seguintes, mas que retornam sempre que melhoram os preços de exportação das "commodities".
As tensões inflacionárias sobre cereais, grãos, carnes, açúcar etc. são hoje globalizadas, mas no Brasil elas incidem com maior força, em razão da nossa notória dependência externa da exportação de "commodities". É neste sentido, portanto, que se pode falar de fator estrutural que vincula tensões inflacionárias com o setor agrícola, diferentemente do diagnóstico estrutural da inflação do Plano Trienal de 1962 do governo João Goulart.
O fenômeno inflacionário, enquanto manifestação puramente empírica, se revela pela elevação de preços relativos de determinado conjunto de bens, com potencial de influenciar o nível geral de preços - como é o caso reiterado dos preços agrícolas em várias conjunturas recentes. Como tal, esse fenômeno ainda não é regular e sistemático, de sorte a ensejar a construção de correlações empíricas. Mas revela por outro lado tensões latentes nesses mercados globais, a que somos levados a internalizar, em geral de forma desfavorável, como nos revela a sequência de episódios recentes.
Em 2002/2003 essas tensões tiveram clara conotação monetária (falta de liquidez externa) - a taxa de câmbio foi a quatro reais por dólar e com isto puxou para cima o preço em real das "commodities". Em 2007/2008 já tínhamos uma conjuntura inversa do ponto de vista monetário internacional; excesso de liquidez (o dólar fica no entorno de 2 reais) combinada com forte pressão de demanda real e especulativa nos mercados organizados de produtos primários. A conseqüência para o Brasil também foi de pressão mais que proporcional dos preços dos alimentos, puxando o INPC para cima. Em 2010 continua o cenário externo de excesso de liquidez, com o dólar a 1,70 reais, mas com forte pressão externa sobre os preços das "commodities".
Em todo este período considerado - 2000/2002 a 2010 - as exportações totais brasileiras pularam de uma média de 57,9 bilhões de dólares no início do período para 200 bilhões no final. No mesmo tempo houve um forte aumento de participação dos produtos primários - de 44% da pauta de exportações (2000/2002) para cerca de 60% em 2010, considerados neste cálculo produtos básicos e semi-manufaturados.
A especialização primário-exportadora no comércio exterior, com forte participação de produtos alimentares da cesta básica, perseguiu, sem alcançar, a eliminação do déficit em conta corrente do balanço de pagamentos. Neste meio tempo, internalizou toda sorte de tensão inflacionária, de origem monetário-financeira ou dos mercados agrícolas mundiais.
Para todas essas conjunturas a autoridade monetária, o Banco Central, agiu da mesma forma: elevou a taxa interna de juros para conter a demanda doméstica, sem que com isso prevenisse a tensão estrutural. E agora, como agirá?
Guilherme Costa Delgado é doutor em economia pela UNICAMP e consultor da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.
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