Por José Coutinho Júnior - Da Página do MST - 21 de setembro de 2012
O
Ministro do Desenvolvimento Agrário, Pepe Vargas, e o novo presidente
do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Carlos
Guedes de Guedes, declararam que a instituição passaria por uma
reestruturação.
A mudança mais significativa é que o órgão
federal terá como prioridade principal dar assistência técnica aos
assentamentos, ao invés da desapropriação de terras. Segundo o
funcionário do Incra e Diretor da Confederação Nacional das Associações
dos Servidores do Incra (CNASI), Acácio Zuniga Leite, essa é uma falsa
dicotomia, e “o governo não está desapropriando terras nem melhorando a
qualidade dos assentamentos”.
Confira a entrevista de Acácio sobre a reestruturação do Incra para a página do MST:
Os
funcionários do Incra estiveram em greve por mais de três meses, e a
reestruturação do órgão era uma das pautas. Como você avalia a
reestruturação apresentada pelo governo?
Nossa pauta em
relação à reestruturação do Incra tinha foco em duas questões: retomar o
processo de Reforma Agrária, que está paralisada, e garantir o aumento
do corpo técnico, para dar vazão ao processo de qualificação dos
assentamentos, de combate a grilagem, fiscalização cadastral, coisas que
o Incra tem feito muito pouco ou deixado de fazer, mas que são a nossa
missão institucional.
A nossa proposta de reestruturação passava
por essas questões. Não há nenhum documento que expresse a posição do
governo em relação à Reforma Agrária ou à reestruturação: o que vemos
são discursos e falas soltas. A leitura que fazemos dessas falas é que
vem um kit do governo em relação ao campo que está baseado na atuação do
Incra em conjunto com o programa Brasil Sem Miséria. O problema é que
não se coloca a questão da terra como principal.
Ou seja, o
minifundiário vai continuar como está, o sem terra também, e o Incra vai
atuar como o órgão que dá assistência técnica nos assentamentos que
estão na condição de miséria extrema. O discurso que tem vindo vai
contra o projeto que defendemos. É um discurso que não ataca a raiz do
problema, de retomar o processo de desconcentração fundiária, questão
central para o desenvolvimento do campo brasileiro.
No que implica a inclusão do Incra no programa Brasil Sem Miséria?
A
miséria hoje no Brasil se concentra no campo. 16 milhões de pessoas
estão em situação de pobreza extrema, e 50 % disso está no campo. Como a
população do campo é muito menor que a urbana, a pobreza no campo é
relativamente muito maior, e ela está concentrada em bolsões que são
áreas de minifúndios, pessoas que tem pouca terra, não têm acesso às
políticas públicas e estão alijadas de um processo de democratização ou
de participação política.
O papel do Incra nesse processo não é
ficar atualizando cadastro único, nem aplicando crédito fomento e bolsa
verde. Isso também faz parte, mas o papel central é fazer Reforma
Agrária, porque é isso que vai dar condições para as famílias saírem de
situação de miséria. Quando veio a proposta do Brasil Sem Miséria de
entregar 10 quilos de sementes de milho e de feijão para cada agricultor
em situação de miséria, alegamos que era uma piada, porque o problema
não é a semente, é terra para plantar.
E o pior é que muitas
dessas sementes não são crioulas, o agricultor ainda corre o risco de
comer semente com fungicida. Não é questão de ser contra ou a favor do
Brasil sem Miséria. A miséria no campo é oriunda da concentração
fundiária, e os bolsões de pobreza no campo estão nesses lugares com
concentração fundiária alta e grilagem de terras.
Por que há assentamentos em condição de miséria extrema?
Nós
sabemos que os assentamentos em que há miséria extrema são
principalmente os assentamentos recém-implantados há 18, 24 meses atrás,
e que não tiveram acesso às políticas públicas do Incra. A miséria se
concentra nestes locais; falar que o assentamento é um espaço de miséria
é uma mentira.
As políticas públicas do governo federal é que
estão inviabilizando a Reforma Agrária. Há casos de assentamentos
criados em 2003, nos quais os créditos de fomento da produção não foram
pagos às famílias, então é lógico que as pessoas vão estar em situação
de miséria.
Isso é relativamente massivo e constante,
principalmente na região Norte e Nordeste. O Incra não teve capacidade
operacional nem fluidez para conseguir assentar as famílias, aplicar os
créditos e dar urbanidade às áreas de assentamento criadas nos últimos
oito anos.
Quais são as condições de trabalho dos servidores do Incra?
Nosso
problema é a relação entre demanda de trabalho versus capacidade
operacional. Entrei no Incra em 2006. Dos colegas que entraram comigo no
mesmo concurso, mais de 40% já foram embora. No primeiro semestre desse
ano, mais de 200 pessoas se aposentaram no Incra, e o indicativo é que
até o fim do governo Dilma, mais 2500 pessoas se aposentem, o que vai
diminuir nossa capacidade operacional em mais de 50%.
É
impossível um técnico fazer um trabalho efetivo, qualificado, de
acompanhamento do processo de desenvolvimento do assentamento quando há
uma relação de um técnico para 1500 famílias. Além disso, o técnico
muitas vezes tem que rodar 600, 700 quilômetros da sede do Incra até os
assentamentos.
Uma das coisas que apoiávamos no debate de
reestruturação era a criação de novas unidades avançadas, que levassem o
Incra mais para o interior, sem que os técnicos tivessem de depender
tanto da capacidade operacional das capitais onde se localizam as sedes.
A greve dos servidores alterou algo nas políticas do Incra?
O
governo encerrou as negociações unilateralmente, e sequer topou fazer
uma discussão em relação à estrutura e o debate organizativo da
autarquia. Então ficou pendente tanto o debate de recomposição dos
quadros por meio de novos concursos quanto o debate de melhoria
salarial, pois nosso salário hoje é o menor das autarquias. Além disso,
não houve discussão sobre o papel do Incra no desenvolvimento nacional.
Qual
sua opinião sobre o discurso do governo de que a Reforma Agrária vai
acontecer através de melhorias nos assentamentos já existentes, e não
pela quantidade de terras distribuídas?
Essa é uma falsa
dicotomia. Essa ideia começa com o debate de que a Reforma Agrária “é
cara”. Virou senso comum a ideia de que “ou avançamos na obtenção de
terras ou na qualidade dos assentamentos”. É necessário avançarmos nas
duas frentes, e isso só depende de vontade política do governo federal.
Da
mesma forma que se avança em outras políticas estruturantes, podemos
avançar na Reforma Agrária, e não só por meio do Incra, mas também com o
Ministério do Desenvolvimento Social, governos estaduais, colocando as
Empresas de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ematers) para dar
assistência técnica.
Há um mar de possibilidades, mas o que
vemos hoje é que nem o governo Lula nem o governo Dilma fizeram essa
opção em avançar de maneira importante na Reforma Agrária e nos
assentamentos. O valor do orçamento do Incra de 2012, se colocarmos um
defletor, é o mesmo de 1995. Não houve uma melhoria no investimento por
parte dos governos, e isso reflete na quantidade de famílias assentadas
em 2011 e 2012. Na verdade, o governo não está desapropriando terras nem
melhorando a qualidade dos assentamentos.
E a parceria do Incra com o programa Minha Casa, Minha Vida?
O
debate das casas é importante, porque o modelo que a gente usa de
construção de casas constrói moradias mais baratas e de melhor qualidade
do que o Minha Casa, Minha Vida.
Nossa política tem controle social. O que o Incra propõe com a ida desse programa
para
a Caixa é desestruturar um programa de base organizativa, que é pensado
junto com as famílias e de acordo com as necessidades delas, e
entregá-lo às empresas, que só visam o lucro.
O que o Incra precisa para realizar um processo efetivo de Reforma Agrária?
Temos
que convencer a presidenta de que a Reforma Agrária é importante,
porque ela não entende nada de questão agrária. A assessoria dela na
Casa Civil em relação ao tema é péssima: são as mesmas pessoas desde o
governo FHC (Fernando Henrique Cardoso).
Por isso há a visão de que a Reforma Agrária é cara e desnecessária.
Pelo contrário, ela é tão importante como necessária, por isso existem
mais de 100 mil famílias acampadas por aí. A questão central é dar
importância política a essa pauta, e mostrar que a Reforma Agrária é
necessária para o desenvolvimento do país, inclusive como uma política
anticíclica dessa crise do capitalismo.
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