Por Luciano Martins Costa em 2/9/2010
Comentário para o programa radiofônico do Observatório da Imprensa, 2/9/2010
O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgou na quarta-feira (1/9) os Indicadores de Desenvolvimento Sustentável 2010, um complexo de estudos que faz um amplo retrato do estágio de desenvolvimento do País, com as perspectivas de resolução de problemas históricos e os setores que devem merecer a atenção das políticas públicas.
Com tal arsenal de informações em mãos, qualquer jornalista consciente de sua profissão sairia correndo para questionar os candidatos à Presidência da República, aos governos dos Estados e ao Senado sobre seus planos de atuação.
Mas não no Brasil.
A imprensa brasileira apenas se referiu, sumariamente, a alguns aspectos do estudo, em suas edições online, e algumas emissoras de rádio e televisão fizeram citações durante os noticiosos noturnos, mas se resumiram quase exclusivamente ao aspecto ambiental.
Ameaça ao patrimônio
Os números apresentados pelo IBGE certamente estão desde quarta-feira sendo digeridos por analistas de investimento, seguradoras, bancos, sociólogos e cientistas políticos. Mas não parecem interessar aos jornalistas.
Nenhum dos chamados grandes jornais deu importância ao trabalho, com exceção do Estado de S.Paulo que, no entanto, pinçou apenas o trecho do estudo que se refere ao desmatamento do Cerrado, compondo uma página inteira com esse tema na seção "Vida".
O levantamento revela que 48% da área total do Cerrado foi devastada até 2008, de acordo com os últimos dados disponíveis – o que coloca esse bioma entre os mais ameaçados de extinção. A causa principal do desmatamento é a exploração irracional da pecuária.
A preocupação com o Cerrado é válida, porque aquela região concentra importantes reservas de água doce, guardando as nascentes das principais bacias hidrográficas do país. Além disso, como a atenção da opinião pública se volta majoritariamente para a Amazônia, esse bioma vem sendo devastado sem que isso mobilize os ativistas ambientais e a imprensa.
Segundo fonte citada pelo Estadão, o Brasil ainda não tem uma política nacional para o problema. Pode-se acrescentar que o projeto de flexibilização da legislação florestal, que tramita no Congresso, é uma ameaça adicional a esse patrimônio. Mas há muito mais do que isso no estudo do IBGE.
Mais esforço
Destaque-se o esforço do jornalão paulista em esmiuçar pelo menos um capítulo do imenso trabalho do IBGE. Mas o estudo não se resume à questão ambiental, e, em tempos de campanha eleitoral, seria até mais interessante que a imprensa destrinchasse os dados sobre o desenvolvimento social do país, para instigar os candidatos e fazê-los assumir algum compromisso com programas realmente estratégicos.
O estudo do IBGE conclui, por exemplo, que o Brasil mantém o ritmo de crescimento econômico e evolui nos principais indicadores sociais, mas persistem desigualdades regionais e sociais.
A série de diagnósticos, iniciada em 2002, mostra uma evolução também na questão ambiental, mas revela que o Brasil ainda está longe de conter a degradação de ecossistemas e a perda de biodiversidade em seu território e de criar condições socioambientais adequadas nos centros urbanos.
Composto por 55 indicadores, o IDS 2010 permite analisar de forma transversal informações ambientais, sociais, econômicas e institucionais, formando um mosaico que retrata as condições reais de vida no Brasil e para onde o país caminha, em termos de desenvolvimento sustentável.
O tema é complexo demais para ser esgotado em apenas um dia, e exigiria algum esforço das redações para ser apresentado aos leitores em toda sua extensão. Mas uma coisa é mergulhar em determinado assunto, e outra é ignorar completamente sua existência.
O que ficou escondido
Os jornais poderiam, por exemplo, fazer um resumo, mostrando que avançamos na questão ambiental, mas ainda há muito por fazer; que há grandes mudanças nas questões social e econômica, que talvez expliquem a altíssima popularidade do atual presidente da República.
Poderiam fazer referência à queda do número de internações por problemas ligados a saneamento, à persistência de grande proporção de domicílios inadequados, ao aumento da violência nas grandes cidades, à redução da mortalidade infantil e ao novo perfil de consumo.
Passando ao largo dessas questões, qualquer debate sobre política, economia e outros temas fica preso ao terreno das cogitações e do declaracionismo. Mas a imprensa não parece interessada em mostrar o verdadeiro Brasil aos brasileiros.
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