Por Tatiana Achcar no site Yahoo.com.br
O mundo tem quase 7 bilhões de pessoas e um pouco mais da metade vive em áreas urbanas. Quando a sua avó era criança, há uns 70 anos, apenas um terço dos brasileiros vivia nas cidades. De lá para cá, a indústria brasileira cresceu, estradas e telecomunicações integraram o país e nos transformamos numa das nações mais urbanizadas do mundo, com 85% de casas erguidas em zonas urbanas. Não estamos sozinho no foguete do crescimento. O movimento de gente que, a cada dia, se muda para cidades em busca de oportunidade de trabalho e renda, acesso à saúde, educação e cultura é global e acontece extremamente rápido nos países em desenvolvimento.
Com 80% da população de todo planeta vivendo em cidades em 2050, quem vai ficar no campo e produzir o nosso alimento? Máquinas, oras! É simples: desmate a vegetação nativa, despeje trilhões de sementes de um único tipo de alface em fileiras a perder de vista. Deixe tudo retilineamente organizado, asséptico, como caixinhas longa vida na prateleira do supermercado. Fertilizantes e pesticidas químicos, feitos à base de petróleo, adubam a terra e matam todo tipo de micro vida além do alface. Nenhuma praga no campo, nem passarinho, nem abelhas. Nada de roedores, minhocas, plantas daninhas. A isso dá-se o nome de monocultura. Em nome da alta produtividade, ela detona o solo, deixa a terra mais pobre que areia de canteiro de obras, suga toda a água da região e, se faltar, toma de fontes naturais vizinhas. Acaba com a fauna – que bicho que se preze vai viver em imensa monotonia? – e empobrece a flora nativa. Transfigura a natureza, enfim.
O alface é colhido, encaixotado, percorre quilômetros e mais quilômetros até a cidade, chega no distribuidor, vai para o mercado ou para a feira e então chega a sua casa. Do campo ao prato, o alface perdeu frescor, sabor, vitalidade e ajudou a queimar muito combustível. Batata, laranja, banana, feijão, tomate… ingredientes de uma dieta de baixa qualidade nutricional e muito CO2.
Enquanto as cidades explodem em asfalto, prédios, fumaça, alagamentos e carência de natureza, as regiões rurais viram deserto de gente, de recursos econômicos e naturais, de investimento de todo tipo. Há um descompasso nesse cenário. Mas há soluções, e muitas não são novas, estão apenas repaginadas para o tempo atual.
Já ouviu falar em agricultura urbana? É tão antiga quanto o nascimento das cidades, quando os limites entre rural e urbano não eram definidos. Todo mundo plantava e ninguém morria desnutrido ou deprimido. Minha avó tinha lá no seu quintal, num espaço meio bagunçado, alguns pés de milho, que sustentavam o feijão trepadeira, que fornecia nitrogênio ao solo, enquanto as grandes folhas de abóboras protegiam a terra do sol e chuvas fortes. Ordem num aparente caos. Podia chover cântaros que tinha terra suficiente para absorver a água. Tinha sombra, passarinho, abelha, flores, aroma. Quando dava muita mexerica, ela trocava com a vizinha por tomate. O quintal da minha avó ganhou cimento, uma casa nova e uma plaquinha de “aluga-se” e, como tantas outras, a horta desapareceu da cidade.
Diante da necessidade urgente de intervir, de forma ativa, na saúde das pessoas e das cidades e de harmonizar a satisfação de nossas exigências com as possibilidades do planeta, as hortas urbanas estão voltando. É prático, é saudável, é barato, é bonito.
Nos Estados Unidos, para combater os efeitos da crise econômica e a obesidade, a prefeitura de São Francisco, na Califórnia, instalou um imenso jardim comestível bem no centro. Queria incentivar a população a cultivar alimentos orgânicos, saborosos e locais e se alimentar melhor. Por três meses, milhares de pessoas visitaram o Victory Garden, ou Jardim da Vitória, e desfrutaram da beleza de um espaço natural no coração da cidade.
A primeira dama americana Michelle Obama gostou da ideia e instalou uma horta educativa na Casa Branca. Todos os dias, crianças de escolas públicas aprendem a observar os ciclos da natureza, da semente à colheita, da transformação de talos e cascas em adubo que fertiliza o solo para a nova plantação. Ciência na prática. Com um plano de produção de alimentos orgânicos e locais, Londres saiu na frente na disputa entre as candidatas a sediar as Olimpíadas. Num projeto ambicioso, uma força tarefa envolvendo moradores, governo, empresas e organizações comunitárias está criando duas mil hortas urbanas que irão abastecer a cidade durante os Jogos Olímpicos de 2012.
O potencial da agricultura urbana no Brasil é enorme: além da terra boa e do clima favorável, é fonte de renda para a população carente e uma atividade que pode devolver o ânimo para um monte de profissional de alto nível que não encontra mais sentido somente nas grandes corporações.
Na zona leste de São Paulo, o projeto Cidades Sem Fome espalhou 23 hortas comunitárias que hoje geram renda de 500 a mil reais para quase 700 pessoas que viviam na pobreza. Em Florianópolis, um projeto de compostagem ajuda a diminuir as doenças causadas pelo lixo em um dos bairros mais pobres da cidade. Na Revolução dos Baldinhos, o lixo orgânico é recolhido de casa em casa, vai para a compostagem e retorna como abudo do bom para a população, que planta temperos e flores onde dá: no corredor lateral, em cima do canil, no telhado, em latinhas, potinhos, vasos, no canteiro central da rodovia.
Nos bairros mais nobres das cidades, onde a especulação imobiliária avança como o fogo de um dragão, iniciativas isoladas tentam suceder aqui, ali. Mas elas podem ganhar força e crescer. Sabe aquele terreno abandonado perto da sua casa ou a caminho do trabalho? Converse com o dono, ele pode topar emprestar a terra para uma horta comunitária. Antes que vire prédio. Ou um lixão