Valorizar os servidores do Ministério do Desenvolvimento Agrário é valorizar a reforma agrária, a agricultura familiar e o desenvolvimento rural sustentável e solidário!

segunda-feira, 5 de maio de 2014

O que Miguel Rossetto não teve coragem de dizer na entrevista à Carta Capital

por Rodrigo Souza
engenheiro agrônomo do MDA e membro do Conselho de Representantes da ASSEMDA*

Enquanto MDA entrega veículos e equipamentos modernos
a prefeituras e entidades pelo país, os servidores do órgão
e INCRA são obrigados a trabalhar sob péssimas condições
O novo ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, que estava como chefe do “programa” do biodiesel na Petrobrás, deu uma entrevista para a Carta Capital, intitulada "A Reforma Agrária Possível",  após a qual eu teria vergonha de mim mesmo e não olharia ninguém nos olhos por mentir tanto para conservar meu espaço nas bocadas. A população precisa saber que a sabotagem na Reforma Agrária e seu abandono por parte do Governo foi algo programado e deliberado (embora muitos movimentos sociais sejam cúmplices, cooptados em troca de benesses para figuras ou para fazerem propaganda de “conquistas” que não têm nada do que comemorar.

É preciso que a população saiba o que acontece. Fazem muitos anos que o governo não procede com desapropriação de áreas. Para isso, ele teria que cumprir a Lei de Terras de 1964, que estabelece a atualização do índice de produtividade de terras. Neste sentido, ele é mais conservador do que a Ditadura Militar. Para não perder aliados do naipe Kátia Abreu ou acirrar briga com os ruralistas, ele descumpre a Lei. E nem o governo Dilma nem o governo Lula nunca se dignaram ou mexeram uma palha, nem ao menos sinalizaram intenção de revogar a Medida Provisória nº 2.183-56, de 2001, do governo FHC, a MP anti-luta pela terra (e não vemos este tema tão presente nas pautas dos movimentos ante ao governo):

§ 6º O imóvel rural de domínio público ou particular objeto de esbulho possessório ou invasão motivada por conflito agrário ou fundiário de caráter coletivo não será vistoriado, avaliado ou desapropriado nos dois anos seguintes à sua desocupação, ou no dobro desse prazo, em caso de reincidência; e deverá ser apurada a responsabilidade civil e administrativa de quem concorra com qualquer ato omissivo ou comissivo que propicie o descumprimento dessas vedações.
§ 7º Será excluído do Programa de Reforma Agrária do Governo Federal quem, já estando beneficiado com lote em Projeto de Assentamento, ou sendo pretendente desse benefício na condição de inscrito em processo de cadastramento e seleção de candidatos ao acesso à terra, for efetivamente identificado como participante direto ou indireto em conflito fundiário que se caracterize por invasão ou esbulho de imóvel rural de domínio público ou privado em fase de processo administrativo de vistoria ou avaliação para fins de reforma agrária, ou que esteja sendo objeto de processo judicial de desapropriação em vias de imissão de posse ao ente expropriante; e bem assim quem for efetivamente identificado como participante de invasão de prédio público, de atos de ameaça, sequestro ou manutenção de servidores públicos e outros cidadãos em cárcere privado, ou de quaisquer outros atos de violência real ou pessoal praticados em tais situações. 
Não desapropria terras, mas compra, através de um instrumento chamado “4-3-3”. Então, quando virem um coronel ruralista berrando contra a Reforma Agrária, saibam que ele é um hipócrita imoral, porque eles são os que mais lucram com isto que o governo faz que não é Reforma de nada. Quando a terra deles está degradada ou com outros passivos ambientais legais, ficando cara para recuperar, vendem para o Governo, a um preço elevadíssimo. E lucram muito, compram terras melhores ou investem em empreendimentos imobiliários urbanos, empresas do ramo de automecânica, autopeças, etc.

O governo compra terras degradadas. Improdutivas, que mal dá para pasto às vezes. E alguns movimentos aceitam levar as pessoas para o Deserto, para um mar de areia ou pedra, tendo assim números para comemorarem a “conquista”. Chegando lá, precisa-se obter as Licenças Legais, sem as quais os agricultores não são autorizados a obterem crédito para começar a produzir. É normal levar até oito anos para completar este processo. Um crédito de vinte mil reais, para começar toda uma estrutura produtiva. Que mal dá pra comprar seis vacas leiteiras hoje. Em terras distantes de centros de comercialização, ou áreas tão degradadas que inicialmente o jeito é mexer com pasto mesmo. E pesam os custos de correção e fertilização do solo (com Fósforo, principalmente, cujos fertilizantes são muito caros, escassos, produzidos em poucas regiões do Brasil como Araxá e geralmente importando do Marrocos, Rússia, China – os EUA são expertos e não exportam suas reservas, prevenindo a crise mundial que há de vir em breve), mal-feitas na maioria das vezes porque os assentados querem maximizar o dinheiro do crédito na compra de animais.

Este crédito então chega demorado, num processo desgastante para as famílias que ficam em vias de se desfazerem e assim muitos mesmo abandonam a terra. Defasado, todas as linhas do Pronaf têm melhorado ao longo dos anos, menos esta. O Banco do Brasil dá um jeito de empurrar produtos como Ourocap, Seguro de Vida e Previdência Privada em cima do crédito dos agricultores das outras linhas, estranhamente nesta linha – Pronaf A – da Reforma Agrária que não é atrativa ao Banco, o governo deliberadamente para sabotar a Reforma Agrária a congela por longos anos. 

Longe dos mercados, com créditos ínfimos, agricultores são desestimulados e vemos um enorme índice de desistência do sonho de produzir nas terras. E lembrando, as terras são públicas, cedidas por concessão às famílias que têm de pagar, não recebem a terra dada gratuitamente, como muitos acham.

Para entregar produtos aos programas institucionais, os assentados precisam obter o selo de inspeção sanitária, mas sem crédito suficiente, não conseguem adequar seus empreendimentos para tal, e hoje muitos deixam de entregar para o Programa Nacional de Alimentação Escolar - PNAE e o Programa de Aquisição de Alimentos - PAA. A assistência técnica é precária, e muitas entidades de ATER não conseguem hoje preencher os quesitos para atender as Chamadas Públicas do Incra, o processo licitatório, que ficam vazias. O órgão é o mais sucateado e deprimido pelo Governo Federal, faltando estrutura básica, como espaço de trabalho interno, computadores, faltando frequentemente orçamento para deslocamentos de campo, e experimenta a cada ano uma intensa perda de servidores que se aposentam ou saem do órgão desmotivados, sem reposição. Há baixo incentivo de desempenho por produtividade, deixando de recompensar os funcionários mais dedicados. E hoje cada superintendência possui mais funcionários terceirizados do que efetivos, e aqueles em contratos de trabalho precários, frequentemente ficando sem receber, vítimas de assedio moral, apresentam extrema rotatividade.
O INCRA, entre 1985 e 2011, teve o seu quadro de pessoal reduzido de 9 mil para 5,7 mil servidores. Nesse mesmo período, sua atuação territorial foi acrescida em 32,7 vezes – saltando de 61 para mais de dois mil municípios, um aumento de 124 vezes no número de projetos de assentamentos assistidos. Até 1985, o INCRA geria 67 projetos de assentamento. Hoje, este número supera os 8,7 mil e a área total assistida passou de 9,8 milhões para 80,0 milhões de hectares – cerca de 10 porcento do território nacional. O número de famílias assentadas atendidas pelo órgão passou de 117 mil para aproximadamente um milhão, totalizando cerca 4 milhões de pessoas. Ressalta-se ainda que o número de servidores está prestes a sofrer novas reduções. Até 2014 outros dois mil funcionários do INCRA estarão em condições de aposentadoria, aprofundando ainda mais o déficit de servidores no órgão. 
No MDA, por sua vez, foram necessários 10 anos e um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) firmado com o Ministério Público para que o órgão realiza-se o seu primeiro concurso público, em 2009. Hoje, o número de efetivos no órgão é inferior a 140 servidores. Isso, para todo o Brasil. Quantitativo irrisório para um órgão que tem como atuação precípua o desenvolvimento econômico no campo brasileiro e o combate à pobreza no meio rural – onde se localizam 50 porcento das famílias que vivem em extrema pobreza no Brasil (ou 4 milhões de pessoas).
Suas Delegacias Federais nos estados não contam com equipamentos básicos máquinas fotográficas e GPS para fiscalizar os programas governamentais (incluindo a ação do PAC 2 que contempla quase 12.000 equipamentos - retroescavadeiras, motoniveladoras e caminhões-caçamba cedidos a mais de 5.000 municípios com menos de 50 mil habitantes, condicionados ao uso para reforma e manutenção de estradas vicinais e acessos às comunidades rurais), às vezes 3,4,5 para estados como Minas, Bahia, Goiás, Amazonas, etc. – embora o Governo exija, justificadamente, que as empresas tenham materiais e técnicos o suficiente para concorrer a Chamadas Públicas – e baixíssimo quadro de servidores para a fiscalização e orientação ao público. É o ministério com o maior número de cargos de livre nomeação, 64%, afora terceirizados e consultores. O ministério tem um truque antigo: contrata consultorias e prestadoras de serviços para fazerem o serviço de servidores, computando a verba não como custeio, mas como execução dos programas. E assim busca enganar os contribuintes.

Desta forma, é fácil aparecerem capas-pretas do Governo tergiversando e inventando desculpas sem admitir a sabotagem deliberada, e aparecer outros mercenários travestidos de acadêmicos sem tratar destes problemas mas, como urubus inescrupulosos, dizerem que a ideia da Reforma Agrária em si que se provou obsoleta. Dois tipos que abriram mão da honra e da dignidade.

(*) Este artigo não representa necessariamente posição da ASSEMDA e/ou de sua direção. 
Texto também publicado no blog Informador de Opinião
Atualizado em 14/05/2014 a pedido do autor

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